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Ciclo de Estudos Medievais : O MONACATO NA PENÍNSULA IBÉRICA NO SÉCULO VII: ORIGENS E DESDOBRAMENTOS

  • Foto do escritor: Armando Ensino de Idiomas
    Armando Ensino de Idiomas
  • 2 de jul. de 2016
  • 8 min de leitura

O MONACATO NA PENÍNSULA IBÉRICA NO SÉCULO VII: ORIGENS E DESDOBRAMENTOS

Documento:

O documento que privilegiamos nessa pesquisa foi escrito por Valério de Bierzo, um monge que viveu na segunda metade do século VII (630-695) na região da Galiza, que compunha o Reino Visigodo. Atualmente existem 18 obras reconhecidas como de Valério, divididos em 4 tipos1 as obras “autobiograficas”, os poemas, os documentos de cunho ascéticos-morais- dogmáticos e ascéticos-hagiograficos. A epistola beatissime egerie laude2 foi um desses documentos, está incluído no grupo de ascéticos-hagiográficos. Alguns autores3 consideram essa obra como uma das mais importantes de Valério, pois ela 1 VALERIO do bierzo. Autobiografia. Introdução e notas de Renan Frighetto. A Coru- ña: Toxosoutos, 2006. p.21 2 DIAZ Y DIAZ, M. C. Valerio del bierzo. Su persona. Su obra. León: Centro De Estudios E Investigación San Isidoro, 2006. p. 229-241. 3 Alguns dos autores são: Jose Uando Puerto, Consuelo Aherne, Manuel C. Diaz y Diaz e Garcia Villoslada. 116 ajudou a identificar a provavel autora do documento produzido no sé- culo IV, a religiosa Egeria que produziu um diário de viagem chamado Itinerarium.4 Outro aspecto importante em relação a carta é que Valé- rio pretendia incentivar os seus colegas monges a reforçar os seus valores espirituais, em um contexto no qual isso se mostrava importante para as comunidades monásticas. 5 Durante o século VII, o Reino Visigodo de Toledo passava por um período de consolidação da sua homogenidade como uma monarquia. Um dos mais importantes ou senão o principal evento para o alcance desse momento foi a conversão ao cristianismo niceno em 589, no reinado de Recaredo. A aliança política com a Igreja, que tinha como objetivo principal a formação de uma sociedade cristã fiel, isso demandava atenção à conversão das populações do reino e nesse sentido notava-se a falta de um projeto evangelizador.6 Isso significa que a conversão acontecia, mas a cristianização de fato podia levar um pouco mais de tempo. Algumas medidas, como celebrações públicas e reforço da ortodoxia, foram tentativas da monarquia junto da Igreja de fazer a população incorporar de fato a religião cristã. Nesse contexto está inserida a nossa região específica, o NO da Península Ibérica. O NO da península ibérica, está localizado na Galiza e foi uma região pouco romanizada, tardiamente cristianizada e essencialmente rural. A chegada dos romanos ocorreu em um período em que o Impé- rio Romano já não tinha o mesmo poderio anterior isso significa que a influência naquela região, provavelmente não seria como nos demais locais, já a religião cristã além de chegar tarde, em relação a outras regiões do Reino Visigodo, acabou sofrendo com as persistências das práticas locais principalmente nos modos de vida e formas sociais.7 O 4 ETERIA. Itinerário. Tradução de Juan Moneverde. Servilha: Apostolado Mariano, 1990. 5 Em sua carta Valério fala principalmente da subida de Egéria ao monte Sinai e dos esforços que ela fez para seguir sua jornada. Em relação ao seu contexto era um momento de organização do monacato em confluência com o clero. 6 ANDRADE FILHO, Ruy de Oliveira. O reino visigodo católico (séc.VI-VIII): cristianização ou conversão? Politéia, Vitória da Conquista, v.5, n. 1, p. 91-101, 2005. p. 93. 7 DÍAZ MARTÍNEZ, Pablo C. El Monacato y la Cristianización del NO Hispano. Un Proceso de Aculturación. Antigüedad y Cristianismo, Murcia, n. 7, p.531-539, 1990. p. 532. 117 fato de ser uma região predominantemente rural diferenciava a maneira que o cristianismo se acomodava, primeiro porque é uma religião essencialmente urbana e sem segundo porque nesse período a Igreja8 estava na busca de sua ortodoxia, simultaneamente as mudanças do Império, assim enfrentou dificuldades na conversão de fato na região. As mudanças no NO da península possuem diversos fatores importantes. Um deles são as transformações que ocorreram simultaneamente à mudanças complexas no Império Romano no geral e outro é que o cristianismo entra em contato com uma sociedade em que ele é menos difundido. Depois os contrastes entre o local e o cristianismo acabam gerando mutações 9 que significam as mudanças e adaptações que ocorriam, uma vez que o cristianismo estava em fase de consolida- ção o que significa também um processo de adaptação. Nesse cenário, o movimento monástico torna-se um elemento importantíssimo na construção desse processo de cristianização. Dessa forma, vamos nos atentar a chegada desse movimento no ocidente e a seus reflexos na região do NO peninsular. Monacato: O monacato foi um movimento que se difundiu no ocidente durante o século IV e tem suas origens no oriente, principalmente na Tebaída, região do Egito. Os principais ideais do monaquismo cristão eram inicialmente os de castidade e virgindade buscando assim uma maneira de viver de forma mais parecida com cristo o possível, posteriormente outros aspectos se aliaram a esses como de pobreza voluntária, jejuns e abstinências em geral, para isso eles valorizavam uma vida de isolamento do mundo, porque só assim conseguiriam alcançar a espiritualidade elevada. O autor Francisco Jose Gomes10 observa que com a chegada ao ocidente medieval por volta do século IV o monacato disseminou-se 8 É importante ressaltarmos que a Igreja nesse período ainda estava se consolidando e não era como conhecemos atualmente. 9 SUAREZ, Plácido. El cristianismo e as mutaciones do noroeste peninsular. y Cristianismo, Murcia, n. 7, p.197-205, 1990. p. 197-198. 10 GOMES, Francisco José da Silva. Peregrinatio e Stabilitas: monaquismo e cristandade no ocidente dos séculos VI a VIII. Textos de História, Brasília, v. 9, n. 1/2, p. 1-13, 2001. 118 por diversas regiões. Nesse período a religião cristã estava se consolidando e construindo a sua ortodoxia, para isso ocorreram algumas adaptações e a religião foi se organizando de acordo com os lugares por aonde chegava com a intenção de atrair mais fiéis. O monaquismo acaba surgindo nesse contexto contra o relaxamento da vida cristã, ou seja, enquanto a religião buscava a expansão, o movimento visava a conquista de uma vida espiritual mais próxima do evangelho o possível. Outro autor que trata desse tema é Garcia Colombás que faz uma leitura diferente dessa movimentação, pois sua obra11 acerca do monacato carrega um pouco da sua formação religiosa e tem como público seus colegas monges. No entanto, é importante ter esse outro panorama acerca da temática. Em sua obra o autor explica que o monacato é um movimento espiritual, amplo, multiforme e poderoso e o estudo sobre o tema tem algumas dificuldades devido ás diferenças com as quais se desenvolveu, nos diferentes lugares que se fixou. O que nos interessou mais foram as observações que ele faz acerca da origem dos monges, alguns acreditam ser sucessores dos ascetas judeus que aparecem na bíblia, outros querem alcançar a espiritualidade perfeita se comparando a Adão ou aqueles que pretendem seguir os passos de Jesus. Outro ponto interessante foi o papel do deserto, pois na vida eremítica o isolamento é fundamental e o deserto sempre apareceu como um espaço importante, pois nele a solidão se tornava mais palpável. Aos poucos o que entendemos é que o monacato foi se formando como consequência de uma evolução homogênea de grupos ascetas. Ao comentar sobre o monaquismo no ocidente ele concorda com o Francisco José ao dizer que esse movimento foi um protesto contra o relaxamento da vida cristã que se desenvolvia conforme a religião se expandia. Sobre o desenvolvimento do monacato no noroeste da Península Ibérica escolhemos destacar alguns autores. O primeiro a comentarmos é Antonio Linage Conde12 ele fala das origens desse movimento 11 COLOMBÁS, Garcia M. El monacato primitivo. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1998. 12 LINAGE CONDE, Antonio. El Monacato visigotico hasta la Benedictinizacion. Antigüedad y Cristianismo, Múrcia, n. 3 p. 235-259, 1986. 119 na Hispania, local no qual está inserida a Galícia, o espaço da nossa pesquisa. O autor explica que o monacato tem sua primeira aparição documental no sexto concílio de Saragoza celebrado em 380 tendo nele aparecido a expressão monachum e entre os anos de 384 e 389 nas cartas do papa Sirico a Himerio de Tarragona, na qual aparece a expressão monasterium coetu. Em relação a existência de cenóbios13 o documento mais antigo data setembro de 551 falando sobre mosteiro urbano e chamando atenção para uma vida monástica sólida e florescente. Santiago Fernandez Ardanaz14 fala da influencia das características orientais do monacato no ocidente. Ele aponta que essas influências podem ser vistas a partir de intercâmbios culturais que o autor diz vir principalmente de peregrinações de uma extremidade a outra, nessa troca ele comenta a trajetória de Egeria de Ponminia e outros viajantes anteriores a chegada do movimento monástico na Hispania, Outra maneira de interligar os dois extremos era a existência de relíquias do oriente no ocidente que representavam as relações comerciais. Existem outros aspectos apontados pelo autor, como uma mistura de culturas que influenciava, por exemplo, em incorporações no calendário de festas da região. Outro autor que utilizamos para falar da região específica foi Diaz Martinez, ele aponta que um momento importante da região foi a conversão dos Suevos 15 tendo Martinho de Dume16 como personagem principal. Ele buscou consolidar uma organização eclesiástica na qual as adaptações tiveram ser imediatas, nesse momento também foi vista a possibilidade de cristianização pela via monacal, pois oferecia vantagens. O monacato não só evangelizava como também servia como mecanismo de organização. Os monastérios foram o veiculo mais eficaz para cristianização e integração do NO hispânico, especialmente nas zonas mais marginais e apegadas as práticas tradicionais. Essa recepção positiva em relação ao monacato era porque as comunidades 13 Locais de isolamento dos monges, mosteiro. 14 FERNÁNDEZ ARDANAZ, Santiago. Monaquismo oriental en la Hispania de los Siglos VI-X. Antigüedad y Cristianismo, Murcia, n. 16, p.203-214, 1999. 15 DÍAZ MARTÍNEZ, Pablo C. El Monacato y la Cristianización del NO Hispano. Un Proceso de Aculturación. Antigüedad y Cristianismo, Murcia, n. 7, p.531-539, 1990. 16 Viveu no século VI e foi responsável pela evangelização do povo Suevo. 120 viram no movimento a prática que melhor se adaptava ao seu nível de estrutura social e econômica. Durante os séculos V e VI, os ascetas passaram a ser submetidos a uma vida regular por meio de regras, que serviam como forma de organizar esses monges nos cenóbios e ali eles buscariam juntos o estímulo para seguir seus ideais e diminuir a quantidade de conflitos com o clero. No ocidente a regra mais famosa foi atribuída a S. Bento, pois ela tinha uma possibilidade de adaptação muito forte, além disso, o autor dessa regula valorizou o trabalho dentro da comunidade como busca da salvação, sendo usada como um elemento de penitência. Conclusão: O monacato foi um movimento que se desenvolveu no ocidente durante o século IV onde já existiam diversos elementos ascéticos que se juntaram muitas vezes as influências vindas do oriente. Durante o período com o qual nos preocupamos (século VII) a religião cristã estava se consolidando e se expandindo e, por diferenças de ideais, acabou por algumas vezes entrando em conflito com o movimento monástico. Na região do NO da península o ideal monástico misturou-se com a realidade local, tornando-se um exemplo de figura paradoxal do fenômeno monástico.17 Porque ao mesmo tempo em que não aprovavam a expansão desmedida do cristianismo, eles tinham ferramentas que ajudariam a promover uma cristianização mais efetiva. Nesse período mesmo que uma região tenha sido convertida, não necessariamente ela foi de fato cristianizada, principalmente em um local como esse, no qual a romanização foi fraca, a urbanização era quase inexistente e o cristianismo chegou tardiamente. Por fim, não era incomum que documentos em relação a essa situação fossem produzidos no âmbito da Igreja e dos mosteiros. Pensando no nosso tema de pesquisa, sendo Valério fruto do seu meio geográfico e temporal,18 mesmo que o seu nível de pensamento tenha sido

17 LINAGE CONDE, Antonio. El Monacato visigotico hasta la Benedictinizacion. Antigüedad y Cristianismo, Múrcia, n. 3 p. 235-259, 1986. 18 VALERIO DO BIERZO. Autobiografia. Introdução e notas de Renan Frighetto. A Coruña: Toxosoutos, 2006. p.7-50 121

diferente de outros autores como importantes para o período, como Isidoro de Sevilha, podemos pensar que Valério do Bierzo, inserido em nesse contexto tinha como um de seus objetivos na escrita da carta que estudamos influenciar os seus colegas a uma conduta religiosa mais firme, sempre em busca de vida espiritual elevada tendo como finalidade a salvação.

 
 
 

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