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Ciclo de Estudos Medievais : O PASSADO A SERVIÇO DO PODER (CASTELA E LEÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉCUL

  • Foto do escritor: Armando Ensino de Idiomas
    Armando Ensino de Idiomas
  • 2 de jul. de 2016
  • 13 min de leitura

O PASSADO A SERVIÇO DO PODER (CASTELA E LEÃO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIII

Instabilidade política e os relatos históricos ao longo de boa parte do século XIII, o reino medieval de Castela e Leão se viu imerso em um longo período de sucessivas transformações e crises que afetaram, sobretudo, a sua esfera política. Conflitos com reinos vizinhos, expansão territorial, e constantes episódios onde a figura do monarca foi abertamente criticada e seu poder colocado em xeque são apenas alguns exemplos que compunham o turbulento momento daquela região ibérica. Na segunda metade daquela centúria o reino acabara de passar por um longo processo de expansão territorial. Tal empreitada foi resultado de dois fatores principais. O primeiro deles tratava-se da união definitiva das coroas de castelhanas e leonesas em 1230, através do rei Fernando III (1217-1252). O segundo fator também estava relacionado aos esforços empreendidos por este mesmo monarca. No período que compreendeu os anos de 1220 a 1248, o novo reino que acabara de se formar empreendeu uma significativa e gradual conquista e anexação dos territórios que outrora haviam pertencido aos reinos muçulmanos também conhecidos como taifas, localizados no sul da península. Ao final do processo expansionista, os domínios castelhano-leoneses constituíam o maior dos estados hispânicos, consolidando uma verdadeira potência territorial e militar. A consolidação deste processo expansionista coube à geração subsequente a do rei Fernando III. Seu sucessor, Afonso X (1252-1284), ao assumir o governo, viu-se diante da difícil tarefa de não apenas manter as regiões conquistadas sob seu controle, mas também promover a integração de uma população heterogênea, formada por Leoneses, Castelhanos e demais habitantes dos reinos vizinhos conquistados. Para a historiadora Inés Fernandez Ordóñes, quando Afonso X 90 recebeu o título régio, ele teria herdado não apenas os direitos senhoriais sobre um território, mas levou também consigo toda uma herança de construções simbólicas e ideológicas sobre as quais se apoiavam um projeto político.1 Tal projeto teria como uma de suas bases uma produção textual de caráter histórico, iniciada no reinado anterior, mas só plenamente consolidada durante o governo afonsino. De fato, é reconhecidamente comprovável que durante os reinados dos soberanos indicados acima houve um considerável aumento de interesse com relação à produção de obras de cunho histórico. Só o governo de Fernando III produziu três obras de dimensões expressivas. São elas a Chronica latina regum Castellae, 2 atribuída ao chanceler pessoal do rei, Juan de Osma; o ChroniconMundi3 (1230-1239) do bispo Lucas, cônego de San Isidoro de León e bispo da cidade de Tuy e a Historia Gothicasive Historia de rebus Hispanie de Rodrigo Jiménez de Rada,4 arcebispo da cidade de Toledo. O reinado de Afonso X pode não ter concebido um número tão vasto de obras, contando “apenas” duas, aEstoria de España5 e a General estória, ambas escritas amando do soberano. Mesmo assim, se colocarmos estes escritos em uma perspectiva comparada, perceberemos que as diferenças entre as obras produzidas nos dois reinados são verdadeiramente marcantes e nos dizem muito a respeito do contexto político em que foram concebidas. Uma importante característica de relevância considerável nesta investigação sobre a composição das obras históricas está no idioma em que cada uma delas foi composta. Enquanto que, nos tempos do rei Fernando, tínhamos crônicas escritas em latim, passamos a ter com Afonso “estórias” redigidas no idioma local, o castelhano. Tratava-se verdadeiramente de uma grande mudança, pois a adoção de um idio- 1 FERNANDEZ ORDÓÑES, Inés. De lahistoriografíafernandina a laalfonsí. Alcanate: Revista de estudios Alfonsíes, Puerto de Santa Maria, n. 3, p. 93-133, 2002-2003. p. 93. 2 BREA, LuisCharlo (Ed.). Chronica latina regum Castellae, In: Chronica hispana saeculi XIII, Corpus Christianorum. ContinuatioMediaevalis, LXXIII, Turnout: Brepols, 1997. p. 7-118. 3 REY, Emma Falque, Lucas Tudensis, Chroniconmundi, Corpus Christianorum. Continuatio Mediaevalis LXXIV. Turnhout: Brepols, 2003 4 VALVERDE, Juan Fernández (Ed.). Rodrigo Jiménez De Rada, Historia de loshechos de España.Madrid: Alianza Editorial, 1989. 5 PIDAL, Ramón Menéndez.Primera crónica general de España que mandócomponer Alfonso elSabio y se continuaba bajo Sancho IV. Madrid: Gredos, 1977. 91 ma considerado “vulgar” contrariava a norma de redação dos documentos oficiais até então. Mesmo assim, não podemos assumir que a utilização do castelhano aqui constituía uma verdadeira quebra de paradigmas para a escrita documental ibérica. O historiador português José Carlos Ribeiro Miranda nos relembra que, ainda em 1206, quando o pacto de paz foi selado entre as coroas castelhanas e leonesas, o mesmo foi escrito no idioma vulgar comum a ambos os reinos.6 Mesmo este indício de mudança em princípios daquele século não foi suficiente para que a nova postura quanto à escrita alcançasse os textos históricos. Conforme vimosNão podemos ignorar que os homens encarregados da redação das obras fernandinas, ao contrário daquelas do período afonsino, não eram simples tratadistas laicos a serviço da corte e do monarca. Por mais que possuíssem uma grande proximidade com o poder central, os cronistas ainda eram homens pertencentes ao universo intelectual da Igreja e não abdicaram do idioma erudito na composição de algumas formas textuais. Para compreender esta escolha idiomática do registro histórico, é preciso levar em conta, primeiramente, o papel que este tipo de texto desempenhava na sociedade, bem como as mudanças sofridas na função que tais registros possuíam naquele momento histórico. Inés Fernández Ordóñez sustenta a hipótese de que aqueles documentos destinados a uma reprodução pública e oral, no reino unificado de Castela e Leão, foram elaborados preferencialmente utilizando o idioma vulgar, enquanto que os demais textos nos quais a leitura era feita preferencialmente de forma privada ou silenciosa, por um grupo seleto de pessoas, seguiram fazendo uso do latim.7 Uma mudança na língua escrita denotaria também uma mudança na forma como o texto seria lido. Se as crônicas em latim objetivavam servir como modelo para os chefes de estado, de modo semelhante a um espelho de príncipes (ou speculumprincipis), aquelas escritas no período afonsino possuíam um “publico” de leitores muito mais amplo que apenas o monarca. 6 MIRANDA, José Carlos Ribeiro. O galego-português e os seus detentores ao longo do século XIII. e-Spania, n. 13, junho de 2012. Consultado dia 17 de novembro de 2013. URL: e-spania.revues.org/21084 . 7 ORDOÑEZ, Op. Cit., p. 2. 92 No período afonsino existiu toda uma preocupação para que as obras produzidas pelos studiae régios alcançassem uma grande proporção da população. Para isso, a utilização da língua vernácula, em detrimento do latim mostrou-se uma iniciativa primordial. Com a adoção desta medida, a leitura das obras (em especial as leis e as histó- rias) não se restringia apenas a um seleto grupo de eruditos. Função social do relato histórico e o novo idioma de escrita da história O uso do idioma “vulgar” também possuía uma aplicabilidade prática, na medida em que o latim ia se tornando uma língua cada vez mais restrita ao clero e à intelectualidade. Além de o latim ter gradativamente se tornando um idioma falado por poucos, o uso de uma língua escrita castelhana tornava mais fácil a própria comunicação entre as diversas partes do reino, sem mencionar no auxilio imediato a administração pública. A unificação lingüística acabou por se revelar um dos pontos marcantes do projeto político monárquico daquela época, e tivera seu início antes de Afonso. Seu predecessor, Fernando III, já havia mandado traduzir o LiberIudiciorum (também conhecido como Lex Visigothorum) um código de leis visigóticas do século VII, que passou a ser intitulado como FueroJuzgo. Mesmo estando os monarcas castelhanos preocupados em atingir a uma grande audiência com o uso do idioma local, devemos considerar que tal estratégia servia ainda como um forte veículo de propaganda. O vernáculo possibilitava uma maior difusão de uma ideologia régia, fomentando sentimentos de identificação entre o texto e seu interlocutor.8 O campo de ação e veiculação destes elementos ideológicos era vasto e não se limitava unicamente à lei. A história e os registros do passado, de forma geral, podiam servir ao mesmo propósito. Com o auxílio destes documentos, buscava-se construir uma memória social na qual era reforçada a imagem de uma realeza soberana que, pretensamente, conseguia sustentar seu poder e sua proeminência perante as 8 PROCTER, Evelyn. Alfonso X of Castile, patron of literature and learning. Oxford: Clarendon, 1951. p. 47. 93 forças locais. Neste sentido, as crônicas régias possuem papel determinante na edificação destes ideais. Ao relatar nas páginas das crônicas a história do reino, o poder régio projetava sobre o passado as expectativas e anseios que guardava para o próprio presente. Tomemos como exemplo o relato conhecido hoje como Primera Crónica Generalde EspañaouEstoria de Espanna. Redigido entre os reinados de Afonso X e Sancho IV, esta obra detém- -se, majoritariamente, sobre as ações perpetradas pelas cabeças coroadas que já haviam vivido em território hispânico, desde a época da dominação romana, chegando até o século XIII. No caso Afonsino, mesmo que a crônica não tenha retratado o reinado do próprio Afonso, é possível nos valermos de suas narrativas para percebermos as atitudes que o rei tentava inscrever no imaginário da população de seu tempo. Grosso modo, poderíamos destacar duas principais imagens vinculadas à monarquia castelhana nesta crônica. Cada uma destas guardava características próprias que iremos observar neste momento. A primeira destas construções mentais apresentava o detentor da dignidade régia como o juiz supremo do reino e estava ligada diretamente à nova prerrogativa que os soberanos arrogavam para si de poder criar leis e punir em ultima instância os infratores. Ao mostrar o soberano como um homem incumbido em manter a justiça e proteger os súditos de seu reino, vemos que o relato cronístico não se furta a deixar claro que o poder exercido pelo governante se sobrepõe a qualquer outra potência local. Em uma conjuntura marcada por sucessivos episódios onde o poder central teve sua autoridade colocada em cheque pelas aristocracias senhoriais – tal como foi o governo de Afonso X – é possível identificar nos relatos de cunho histórico episódios onde a soberania da realeza tenta se projetar acima das forças dissidentes. Um destes momentos são as cerimônias onde os reis aparecem exercendo a justiça e punindo os “malfeitores” do reino, frequentemente apresentados como nobres insurgentes que ameaçam a população camponesa. Consideremos, por exemplo, o relato de um episódio envolvendo um antepassado do rei sábio, no momento em que este recebe em sua corte um lavrador queixoso de um cavaleiro que lhe havia tomado a herança pela força. 94 Não por acaso o item é intitulado “El capitulo de laiusticiadellemperador”. Vninffançon que moraua em Gallizia, etauienombredon Fernando, tollio por fuerça a um lauradorsuheredat; et ellauradorfuessequerellarallemperador, que era em Toledo, de lafuerçaquelfazieaquelinfançon. (...) Ellinffançon, como era omnemuy poderoso, quando uiola carta dellemperador, fuemuysannudo, et começo de menazar al laurador, et dixo que matarie, et non lequiso fazer derechoninguno. Quando ellauradorvio que derechoninguno non podieauerdellinffançon, tornosse al emperador a Toledo (...). Etellemperadorpues que sopo todo el fecho, fizo sus firmas sobrello, et llamo omnes buenosdellogar, et fue com ellos, et parosse a lapuertadellinffançon et mandolllamar et dezir que saliesseallemperadorquellllamava. Quando ellinffançonaquellooyo, ouomuygrandmiedo de muerte, et começo de foyr; mas fue logo preso, et aduxieronleantellemperador. Etellemperadorrazono todo el fecho ante los omnes buenos (...) Et ellinffançonnincontradixorespuso contra elloninguna cosa, et ellemperadormandolluego enforcar de lasupuertamisma.9 As motivações que justificam a elaboração detalhada desta parte do relato em pleno fim do século XIII não são difíceis de perceber. A “cerimônia de justiça” em que foi recebido o camponês (uma das poucas ocasiões narradas no documento em que um homem humilde se dirige diretamente ao rei) cumpria uma dupla função: Em primeiro lugar, ela concedia maior pessoalidade a um sistema de relações cada vez mais institucionalizado, que tendia a alargar ainda mais as distâncias entre o governante e seus súditos mais humildes. Em segundo lugar, a passagem encerrava a mensagem de que o poder dos nobres não estava acima da autoridade monárquica. No relato, o nobre que desrespeitara os direitos do homem do campo e não atendera a ordem de cessar as hostilidades foi punido exemplarmente pelo rei. O cavaleiro recebeu uma das penas mais indignas, que era o enforcamento. Na mesma medida, esta passagem trazia a mensagem de que o poder dos nobres não estava acima da autoridade monárquica. No relato, o nobre que desrespeitava os direitos do homem do campo e não atendeu a ordem de cessar as hostilidades foi punido exemplarmente pelo rei. 9 Primera Crónica General de Espana. Op. Cit., v. 2, cap. 980, p. 660. 95 O mito da reconquista como elemento unificador As crônicas do período de Afonso X não serviram apenas para marcar a superioridade do monarca perante os demais estamentos da sociedade senhorial. Ela também auxiliou nas pretensões territoriais do reino de Castela e Leão, procurando enfatizar na história daquele reino um valioso mito de origem político e religiosa, o mito da Reconquista da Península Ibérica frente aos estados islâmicos. Segundo este enunciado discursivo, ainda no século VIII, após a primeira invasão da península pelas tropas muçulmanas vindas do Marrocos, um homem chamado Pelayo, oriundo dos sobreviventes da antiga nobreza visigó- tica, teria sido o responsável por liderar a primeira empreitada militar bem sucedida deresistência contra os invasores. Conta a crônica que, em cerca de 722, os homens liderados por Pelayo se enfrentaram com as tropas muçulmanas aos pés dos Montes Pirineus, na garganta de um vale, próximo à vila de Covadong, onde teriam obtido uma grande vitória. Ainda hoje, a vitória na Batalha de Covadonga é tratada como ponto de partida para o início do processo de Reconquista da Península Ibérica. Contudo, os trabalhos de Abílio Barbero e Marcelo Vigil10 trouxeram uma diferente perspectiva acerca deste antigo paradigma historiográfico. Ambos os autores procuram empreender uma análise das orientações ideológicas deste relato, chegando à conclusão de que a sequencia destes eventos narrados acima é, na verdade, uma produção historiográfica feita no século IX, um momentoposterior à chegada dos Muçulmanos à península. Barbero e Vigil demonstram como houve, de forma intencional, uma tentativa de fazer entroncar a origem do reino das Astúrias na história do reino visigodo. Tal vinculação passava por uma apresentação dos monarcas asturianos como descendentes dos mais antigos reis visigodos.Graças a este mito de continuidade do antigo reino germânico, Astúrias e os subseqüentes domínios que se desenvolveram em seu interior – os quais posteriormente acabaram por se configurar em reinos próprios, 10 BARBERO, Abílio y VIGIL, Marcelo. La Formación del Feudalismo en la Península Ibérica. Barcelona: Editorial Crítica, 1978. e; ___. Sobre las Orígenes Sociales de la Reconquista. Barcelona: Ariel, 1974. 96 tais como Leão e Castela – seguiram requisitando-se a continuidade daquele processo de Reconquista supostamente iniciado por Pelayo. Este imaginário da reconquista, que procurava evocar um passado longínquo, chegou ao século XIII com grande força e influência sobre os espíritos de seus contemporâneos. Tanto castelhanos quanto leoneses proclamavam-se herdeiros não só da tradição asturiana, mas da cultura cristã-visigótica como um todo. Na Primera Crónica General, vemos como esta forma de perceber a realidade se encontrava profundamente enraizada nas maneiras de pensar e de sentir. Segundo ela, nomomento da conquista peninsular do século VIII, o poder dos “mouros” que vieram da África era tão grande que “conquistaram toda a terra e a devastaram, e a colocaram sob seu senhorio, e dai em diante foi o reino dos godos e suevos destruído arrasado por grande tempo”.11 Diz a crônica que este período teria contado trezentos e sessenta e seis anos, estando o relato no ano de 719. O reino dos godos teria sido restaurado no ano de 1085. Provavelmente a referência faz menção ao próprio momento da conquista da antiga capital visigótica, Toledo, tomada por Afonso VI no mesmo ano referido. O encadeamento destes fatos parece apontar para a concepção de uma história linear dos reinos de Castela e Leão. Iniciada com o reino visigodo, passaria pela(re) conquista de sua antiga capital no século XI, chegando até a unificação definitiva dos reinos no século XIII, período em que supostamente teria havido uma consolidação da autoridade castelhana no âmbito do território peninsular. Seria o caso de se perceber como tal idéia serviu para impulsionar as subseqüentes guerras entre cristãos e muçulmanos naquela região. Para tanto, basta evidenciar que o resgate daquele suposto passado visigótico não remetia apenas há um tempo histórico longínquo para os castelhanos e leoneses do século XIII. O passado que era recuperado através das crônicas régias referia-se a um “tempo de guerras”, em que se travavam lutas para preservar o território (quando se remetia aos tempos de Afonso IIII), bem como para preservar e/ou expandir a fé de Cristo. Mais do que tudo, se tratava de um tempo distante em que os ancestrais dos “espanhóis” do século XIII já lutavam contra seus inimigos de fé, aqueles que eram considerados como conquistadores 11 Primera Crónica General, Op. Cit., v. II, cap. 560, p. 322. 97 do antigo reino de Toledo. A luta de reconquista, ainda que fosse uma construção ideológica, serviu como um dos principais fatores que impulsionaram as tropas cristãs hispânicas na guerra contra os reinos islâmicos do sul peninsular. Em pleno século XII, as noções de reconquista passaram a ser associadas à idéia de uma Cruzada na Península Ibérica, aumentando, assim, a carga simbólica que revestia os conflitos contra as taifas muçulmanas. As crônicas afonsinas, em especial a Primera Crónica General de España, recuperam este mito da continuidade visigótica e da legítima retomada dos territórios hispânicos das mãos dos islâmicos. Evidentemente, o os oficiais régios dão significativa atenção a esta questão como o intuito de legitimar não só o processo expansionista perpetrado pelo antecessor de Afonso, mas também buscam embasar as próprias pretensões que o reino de Castela possuía sobre os demais territórios peninsulares que ainda não estavam sobre o seu domínio. Afinal, se os reis castelhanos são a continuação da monarquia que outrora havia dominado toda a Península Ibérica, nada mais legítimo e justo do que os descendentes desta “antiga linhagem” pleiteie pelo retorno da hegemonia de poder de seus soberanos sobre todo aquele território. O argumento que os cronistas utilizam para justificar a empreitada militar era de que a vingança contra a injúria de ter perdido o reino cristão visigodo não caberia apenas aos “espanhóis”, mas tratava- -se de uma vendeta que envolvia toda a cristandade latina. Relata-se que, para esta batalha, afluíram não só cavaleiros especializados no combate armado, mas também homens de toda sorte, como peões e citadinos – de modo similar a uma romaria – visando obter o perdão dos pecados e a reparação de seus erros perante Deus.12 Amigos, todos nos somos espannoles, etentraronnoslosmoroslatierra por fuerça et conquerieronnosla, et em pocoestendieronloscristianos que a essa sazoneran, que non fueronderraygados et echadosdella; et essospocos que fincaro de nos em lasmontannas, tornaron sobre si, et matando ellos de nuestrosenemigos et muriendodellos [...] et pues que aqui sodes, que me ayudedes a tomar uengança et emiendadel mal que e tomado yo et lacristandad.13 12Ibidem, v. II, p. 692- 693. c. 1013. 13Ibidem, p. 693. c.1013. 98 Munidos dos ideais de Reconquista e de Cruzada, os reis de Castela começaram a projetar sobre si, em pleno século XIII, uma aura que procurava lhes conceder umainigualável proeminência em relação aos demais monarcas cristãos. Eles se representavam como reis cruzados, que vinham empreendendo uma guerra santa por séculos na fronteira ocidental contra os supostos inimigos da fé cristã. A própria função da figura régia aponta para a guerra e para a defesa do território como algumas de suas principais incumbências, utilizando a cruzada contra os inimigos da fé cristã como construção mental que tinha por finalidade aglutinar toda a heterogênea popula- ção do recém unificado reino de Castela e Leão na luta contra um inimigo comum, liderados por seu augusto soberano. A produção deste discurso acerca de uma monarquia guerreira – essencial à construção de uma espécie de ideologia régia – não supõe uma atitude unilateral ou mesmo uma imposição dos monarcas aos seus súditos. Precisamos lembrar que o poder desses reisnão derivava apenas do controle ou da utilização de certos instrumentos de coerção ou de regulação social. Manifestava-se, dialeticamente, uma demanda por determinadas atitudes que partia da própria população, expectativas nutridas em rela- ção a esse ícone da autoridade que precisavam ser respeitadas.

 
 
 

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