top of page

RELIGIÃO E RELIGIOSIDADE NA PENÍNSULA IBÉRICA DO SÉCULO XIII

  • Foto do escritor: Armando Ensino de Idiomas
    Armando Ensino de Idiomas
  • 5 de jul. de 2016
  • 6 min de leitura

A Idade Média é um período no qual a espiritualidade encontrava-se em grande evidência e perpassava por toda a sociedade.

Minha pesquisa visa enfocar as articulações entre a religião e a religiosidade na Península Ibérica do século XIII. houve no Ocidente, nos séculos XI ao XIII, uma “renovação espiritual e religiosa”, de forma que a relevância das transformações nos objetivos da Igreja são comparadas pela autora à Reforma ocorrida no século XVI. A sociedade medieval ocidental buscava meios que pudessem responder aos anseios que não eram solucionados pela Igreja, e esta última procurava adequar-se às novas formas de espiritualidade, para que não surgissem alternativas de vida religiosa fora de seu controle institucional. Nasceram, então, uma grande diversidade de ordens religiosas, em busca de uma vita apostólica, assim como os cistercienses, os dominicanos, os franciscanos e outros. O papado buscou enquadrá-las às normas da Igreja, tendo em vista que qualquer tentativa de separação deveria ser combatida, como o que ocorreu com os grupos considerados heréticos. É nesse contexto de efervescência de pensamentos e práticas religiosas que recortamos o tema de nossa pesquisa, na qual utilizamos, para averiguar as articulações entre a religião e a religiosidade, tanto fontes normativas como fontes literárias. Antes, porém, de apresentarmos tais fontes, é preciso delinearmos os conceitos que estarão norteando o nosso trabalho, no que se refere a religião e a religiosidade. Tomamos os conceitos apresentados por Andréia Frazão em seu artigo Religião e religiosidade em diálogo: uma proposta de leitura dos escritos riojanos do século XIII, no qual a autora define religião como “um conjunto de regras concernentes a fé e a disciplina, sistematizadas e editadas de forma jurídico-canônica” e por religiosidade, como “o conjunto de crenças, ritos, superstições e práticas de fé nascidas fora do âmbito da instituição eclesiástica”. 2 Selecionamos como corpus documental de nossa pesquisa três fontes medievais, já impressas, uma de caráter normativo e duas de caráter hagiográfico, sendo elas: os Cânones do IV Concílio de Latrão, 3 a obra Vida de Santo Domingo de Silos de Gonzalo de Berceo,4 e também a fonte latina utilizada pelo mesmo, a Vitae Dominici Siliensis, composta por Grimaldo.5 Iniciamos com a apresentação dos canônes lateranenses, que são compreendidos por nós como um conjunto normativo da Igreja, conforme o que já assinalamos sobre o conceito de religião. Desta maneira, através deste texto de caráter jurídico, pretendemos reconstruir as regras, dogmas e também o caráter institucional da Igreja nas primeiras décadas do século XIII.

A bula papal Vienan Domini Sabaoth de 10 de abril de 1213 convidou, para a participação em tal concílio, tanto líderes eclesiásticos como também autoridades laicas. Sua realização se deu sob o governo de Inocêncio III, no ano de 1215, buscando formar uma legislação disciplinar e reformadora da Igreja. O resultado foram 70 cânones que abordam temáticas como “as heresias, o governo eclesiástico, a correção dos costumes, a formação dos clérigos, o ministério pastoral, os sacramentos, o casamento e os excluídos”.6 Segundo Bolton,7 o produto deste concílio foi fruto da produção de um grupo seleto de eclesiásticos, ligado ao papado, ou até mesmo do próprio Inocêncio III. Esta conclusão está ligada à duração do IV Concílio de Latrão, que foi de apenas três sessões plenárias, o que aponta que estas, provavelmente, tiveram como objetivo somente a leitura e aprovação dos cânones. Quando da análise sistemática preliminar dos cânones do concílio em epígrafe, identificamos as práticas e crenças que eram proibidas como indicadores de atitudes da sociedade medieval que burlavam o pretendido pelo papado. Observamos claramente neste código, que sua finalidade era organizar e centralizar a Igreja, pois mesmo após a sua institucionalização, esta sofria contradições em seu próprio corpo eclesiástico. A segunda fonte que estaremos utilizando, como já assinalamos, é Vida de Santo Domingo de Silos, uma hagiografia escrita por Gonzalo de Berceo, um clérigo riojano contemporâneo ao IV Concílio. Gonzalo de Berceo, o primeiro a escrever em castelhano que temos notícias, foi criado no Mosteiro de San Millán de la Cogolla. Além disso, suas obras foram escritas a partir de fontes latinas, o que nos indica, portanto, que era um homem culto, podendo até mesmo ter estudado na Universidade de Palência. Berceo escreveu diversas obras de caráter religioso: três hinos, três obras marianas, duas obras de caráter doutrinal e quatro obras hagiográficas. Vida de Santo Domingo de Silos se encontra entre estas últimas, como citamos anteriormente, cabendo ressaltar que a edição que estamos utilizando em nossas investigações, é uma revisão crítica composta por Aldo Rufinato, inserida no livro Obra Completa , organizado por Isabel Úria Maqua.8 Hagiografias são textos que tratam da vida de um santo, com objetivos religiosos, que apesar da diversidade em que se apresentam no medievo, quanto a variedade de temática ou composição, possuem traços que são marcados por três componentes principais: a vida do santo, ainda almejando a santidade, a sua morte e, por fim, seus milagres póstumos para evidenciar o reconhecimento de sua santidade. Vida de Santo Domingo de Silos foi redigida sob forma de poesia, em cuaderna via, isto é, composta por quatro versos e cada um destes com catorze sílabas. Esta obra divide-se em três livros: o primeiro, “Aquí encomiença la vida del glorioso confessor Sancto Domingo de Silos” que trata da vida do santo e a sua formação intelectual e religiosa, o segundo “De los miráculos que fiço en vida”, no qual descreve sobre os seus milagres e falecimento e, por último, “Aquí escomiença el tercero libro de la estoria de Santo Domingo”, tratando dos milagres póstumos, totalizando 777 estrofes. Este texto foi produzido, provavelmente, quando Gonzalo já se encontrava na fase de maturidade intelectual9 , por volta de 1240, ou seja, estava com mais de 40 anos de idade. Nele conta a história de Domingo que nasceu na cidade de Cañas, em La Rioja, e viveu no século XI. Foi clérigo secular, eremita e depois monge do Mosteiro de San Millán. No entanto, após desentendimento com o rei Garcia de Nárjera, foi para o reino de Castela, sendo acolhido pelo rei Fernando I, que o elevou a abade do Mosteiro de São Sebastião de Silos. Quando Santo Domingo veio a falecer em 1073, o Mosteiro em que era abade passou a chamar-se Mosteiro de Santo Domingo de Silos. Acreditamos, como apontam outros autores, que Gonzalo de Berceo escreveu de maneira didática,10 pois suas obras possuem caráter catequético e buscam sempre aproximação com o público. Desta forma, podemos crer que seus textos eram recitados e tinham o objetivo de divulgar os dogmas da Igreja, pois sendo um clérigo secular, ligado ao bispado de Calahorra, estava inserido nas questões eclesiásticas. A exemplo temos a seguinte passagem:

Señores, Deo gracias, contado vos avemos de la sua sancta vida lo que saber podemos; desaquí aiudándonos el Dios en qui creemos esti libro finamos, en outro contendiemos

A fonte latina utilizada por Berceo, como já apontamos, foi preservada. Escrita por Grimaldus, um monge do Mosteiro de Silos, do final do século XI,12 permite-nos contrapor as duas obras, no sentido de verificarmos como Gonzalo irá tratar sua fonte, bem como irá inserir os traços de seu tempo, sua cultura e de sua sociedade. Cabe ressaltar que o autor não se limita a cópia da fonte, mas por vezes a amplia, comenta ou suprime algumas passagens. Pretendemos, com a análise comparativa destes três documentos e através do conceito de apropriação de Roger Chartier,13 apreender como os clérigos interpretavam as normas da Igreja, as traduziam e contrapunham com as práticas de religiosidade de seu tempo. Ou seja, analisaremos o IV Concílio de Latrão, principalmente, nos aspectos que tangem às heresias e a formação do clero, pois, para alguns autores, como Raquel Homet,14 a reforma da Igreja pretendia o saneamento do corpo eclesiástico, já que havia a sua participação, fundamentalmente do baixo clero, nas práticas de religiosidade, em conseqüência da deficiência de sua formação intelectual e espiritual. Já a análise da obra de Gonzalo de Berceo será utilizada para contrapor às regras impostas pela Igreja, de acordo com o que definimos como religiosidade. Pois ainda de acordo com Homet, há na obra deste autor um certo tom moralizante, mas que, no entanto, também revela que existiam deformações em cerimônias eclesiásticas, assim como também pactos com o diabo.15 Segundo esta autora, Gonzalo possui uma dupla posição diante do sobrenatural, já que para este “Deus pode conferir aos eleitos o Dom da profecia, mas a tentativa de adivinhar o futuro ou de subjugar a vontade divina por meio de encantos se percebe inútil”16 . Frazão da Silva17 parece concordar com Raquel Homet, todavia, acredita que a ambigüidade de Berceo advém do incentivo presente em Vida de Santo Domingo de Silos à “veneração aos santos locais, as peregrinações e oferendas”, ainda que ressalte que o autor também possuía o objetivo de difundir as normas da Igreja. Concluímos, assim, que Raquel Homet, ao generalizar a má formação clerical, não considera casos como o de Gonzalo de Berceo, que era um clérigo letrado, tinha acesso a livros e possuía grande conhecimento da Bíblia, além disso é provável que não fosse o único em seu meio. Outro ponto importante a destacar é que se a Igreja sentia necessidade de regulamentação do comportamento dos clérigos, talvez isso possa significar a ocorrência de práticas em desacordo com as normas pré-estabelecidas. Por isso, o nosso interesse na obra Vida de Santo Domingo de Silos, de Gonzalo de Berceo, visto que contém passagens onde fica claro a presença de manifestações de religiosidade na Península Ibérica do século XIII, tal como no texto transcrito abaixo.

Yendo de sant en sancto, faciendo romerías, contendiendo com menges, comprando mengías, avié mucho espeso en vanas maestrías, tanto que seríe pobre ante de pocos días.

 
 
 

Comments


Destaque
Tags

© 2016 por Ressaca-da-Mente. Orgulhosamente criado com Wix.com

  • Facebook B&W
  • Twitter B&W
  • Google+ B&W
bottom of page